Talleres > As esquerdas nas Américas do início do século XX: questões sociais, raciais e movimentações políticas

AS ESQUERDAS NAS AMÉRICAS DO INÍCIO DO SÉCULO XX: QUESTÕES SOCIAIS, RACIAIS E MOVIMENTAÇÕES POLÍTICAS

Organização: Olivier Maheo (Université Paris 8) e Jean-Ganesh Leblanc (Université Lyon 2).

Resumo:

A Primeira Guerra Mundial e, em seguida, a Revolução Russa provocam não apenas a ruptura do movimento socialista, mas igualmente uma transformação do campo militante e intelectual da esquerda nas Américas. Diversos grupos, partidos e sindicatos que se reivindicam do socialismo se dividem, enquanto outros são fundados1, e novas orientações teóricas, culturais e artísticas emergem2.
Deste ponto de vista, o discurso adotado nos anos 1920 pela Internacional Comunista (1919-1943) representa uma ruptura importante com as tradições socialistas precedentes, em decorrência da ambição declarada de se ter em conta a diversidade de opressões. À luta de classes, o movimento comunista adiciona a denúncia das opressões coloniais, nacionais, raciais, sectárias ou de gênero. A Constituição da jovem República Soviética é então invocada como um avanço em domínios tão diversos quanto o direito das mulheres ou o reconhecimento do direito à separação e à autodeterminação nacional. Novos posicionamentos contra o racismo, o colonialismo e o imperialismo desencadeiam um processo complexo de alinhamentos, de aproximações, de adesões e, ao mesmo tempo, de distanciamentos e rejeições.
Essas transformações políticas encontram, ademais, nas Américas, reflexões já desenvolvidas sobre a hierarquização racial e o racismo3, em um contexto de efervescência vanguardista, no qual política, revolução e arte se misturam4. Quais efeitos o avanço das teses e das organizações comunistas gerou na paisagem das esquerdas nas Américas? Quais inflexões tal movimento provoca nas considerações sobre a questão racial? Como analisar o impacto dessas transformações na circulação de ideias, de pessoas e de modelos de organização que adotam um discurso antirracista e anticolonial? A partir dessa diversidade de questionamentos, este painel propõe interrogar o período do entreguerras, na medida em que ele representa um momento decisivo do ponto de vista da articulação entre questão social e racial.

O painel buscará analisar essas questões do ponto de vista das esquerdas americanas, entendendo suas transformações e as maneiras pelas quais elas se influenciaram mutuamente entre Norte e Sul.

Tais questionamentos, à escala do espaço americano, buscam projetar nova luz sobre as transformações vividas pelas esquerdas no período. Se, por um lado, é verdade que as pesquisas sobre essas questões são antigas, por outro, elas tratam frequentemente de manifestações nacionais5 ou regionais6, ou ainda se focalizam sobre certas figuras intelectuais ou dirigentes importantes7.

Nesse sentido, completar as abordagens existentes por meio do cruzamento de dados ao nível continental torna-se indispensável. Esse esforço de expansão do quadro de análise se inscreve, ademais, em uma tendência atual da pesquisa sobre a esquerda e o comunismo nas Américas8.
De fato, diferentes fenômenos e correntes políticas transnacionais tiveram um papel predominante, dentre os quais destacam-se o diálogo do indigenismo com o marxismo9, o desenvolvimento de um nacionalismo afro-americano em relação com, mas também em oposição ao marxismo10 ou ainda o debate sobre os desafios estratégicos que as questões raciais impõem ao pensamento revolucionário11.
Deve-se, ainda, evocar diferentes proposições formuladas na imprensa militante dos escritórios regionais da Internacional Comunista12 ou em outras revistas de dimensão continental, como The Nation, Amauta ou Repertório Americano. Este painel tem como objetivo destacar as formulações inovadoras que emergem da interseção entre raça e classe nas Américas entre 1914 e 1939.
Abordar os múltiplos aspectos desses pontos de contato pressupõe a inclusão da circulação de ideias e de modelos, de conceitos e de práticas que moldaram formas de articulação inéditas entre raça e classe. Esses questionamentos retomam abordagens que foram profundamente renovadas na literatura científica das últimas décadas, na sequência do desenvolvimento das metodologias interseccionais13 ou decoloniais14, mas também da emergência do interesse sobre as organizações e as redes da esquerda em conexão com a Internacional Comunista15.

A reflexão que pretendemos realizar se inscreve, portanto, em um campo já explorado pela literatura, mas sob nova perspectiva: aquela do olhar continental e transnacional sobre o que a irrupção de novas formas e ideias ao longo do entreguerras aportou às reflexões sobre raça e classe nas Américas. Esse eixo levanta questões teóricas e estratégicas, mas também configura pontos de encontro ou conflito que podem ser rastreados na história intelectual e ativista.

Referências:

1 O período é marcado pela aparição de partidos e de sindicatos que se reivindicam do comunismo, transtornando a paisagem política da esquerda, dominada por organizações anarquistas, socialistas ou social-democratas. Ver Michaël LÖWY (dir.), Marxism in latin america from 1909 to the present: an anthology, New York, Prometheus, 2006.

2 Béatrice JOYEUX-PRUNEL, Les avant-gardes artistiques 1918-1945. Une histoire transnationale, Paris, Gallimard, 2017.

3 Ahmed Shawki, Black liberation and socialism, Chicago, Haymarket Books, 2006 ; Jacques Droz, Histoire générale du socialisme 3, Paris, Presses universitaires de France, 1977 ; Olivier Maheo, « Não há RAÇA na luta de classes: a esquerda americana e a raça 1920-1950 », Cadernos Cemarx, 10 novembre 2021, vol. 14.

4 Podemos pensar no movimento da Harlem Renaissance, mas também no modernismo brasileiro, no muralismo mexicano assim como no vanguardismo literário de Buenos Aires e Lima nos anos 1920.

5 Ver por exemplo: Gerald HORNE, Black Liberation / Red Scare. Ben Davis and the communist party, S.l., International Publishers, 2021.

6 Ver em particular os trabalhos recentes sobre a Internacional comunista na América Latina: Lazar JEIFETS et Víctor JEIFETS, América Latina en la Internacional Comunista, 1919-1943 - Diccionario Biográfico, Santiago de Chile, Ariadna Ediciones, 2015. E Víctor JEIFETS et Andrey SCHELCHKOV (dir.), La Internacional Comunista en América Latina en documentos del archivo de Moscú, Santiago de Chile - Moscou, Ariadna Ediciones – Aquilo Press, 2018.

7 Em particular os estudos sobre o peruano José Carlos Mariátegui ou o trinidadiano C. L. R. James.

8 Ver Marc BECKER (dir.), Transnational communism across the Americas, Urbana, Chicago, University of Illinois Press, 2023. E Carlos-Miguel HERRERA et Eugenia PALIERAKI (dir.), La Revolución Rusa y América Latina: 1917 y más allá, 1a edición., Madrid, Guillermo Escolar Editor, Euroamericana, 2021.

9 José Carlos Mariátegui é a figura mais conhecida sob esse aspecto (Michaël LÖWY, « L’indigénisme marxiste de José Carlos Mariátegui », Actuel Marx, 2014, no56, pp. 12-22), mas esses debates também vigoram no Mexico e no Ecuador (Adolfo GILLY, La Revolución interrompida. México, 1910 - 1920, una guerra campesina por la tierra y el poder, 8e éd., Mexico, Ediciones « El Caballito », 1977 ; Agustín CUEVA, El desarrollo del capitalismo en América latina: ensayo de interpretación histórica, 13e éd., México, Siglo Veintiuno, 1990).

10 George Padmore, Pan-Africanism or communism, s.l., Doubleday, 1971, 496 p ; Sarah Fila-Bakabadio, Africa on my mind: l’afrocentrisme aux Etats-Unis, Paris, Les Indes savantes, 2016 ; W. E. B Du Bois, The Study of the Negro Problems., Philadelphia, American Academy of Political and Social Science, 1900.

11 Podemos encontrar esses elementos nos debates internos da Internacional comunista (Jacob A. ZUMOFF, The Communist International and US Communism, 1919-1929, Leiden ; Boston, Brill, Historical materialism book series, n ̊ 82, 2014 ; Nikolay DOBRONRAVIN, « The Comintern, “Negro Self-Determination” and Black Revolutions in the Caribbean », Interfaces Brasil/Canadá, 28 septembre 2020, vol. 20, pp. 1-18), mas também nas organizações transnacionais de luta contra o imperialismo e o colonialismo que aparecem nos anos 1920 (Vijay PRASHAD, The darker nations: a people’s history of the third world, New York, New Press, 2007 ; Fredrik PETERSSON, “We Are Neither Visionaries Nor Utopian Dreamers”. Willi Münzenberg, The League against Imperialism, and the Comintern, 1925-1933, Turku, Åbo Akademi University, 2013 ; Hakim ADI, Pan-Africanism and Communism: the Communist International, Africa and the diaspora, 1919-1939, Trenton, NJ, Africa World Press, 2013).

12 Ricardo MELGAR BAO, La prensa militante en América Latina y la Internacional Comunista, 1 ed., México, D.F, Instituto Nacional de Antropología e Historia, Colección Historia Serie Logos, 2015 ; Jean-Ganesh LEBLANC, « Quel espace théorique pour l’Amérique latine dans la révolution mondiale ? Le Komintern et l’Amérique latine 1917-1929 », Actuel Marx, 2020, n°67, no1, p. 144 ; James R. BARRETT, « What Went Wrong? The Communist Party, the US, and the Comintern », American Communist History, 3 de abril de 2018, vol. 17, no2, pp. 176-184, doi:10.1080/14743892.2018.1463743.

13 Kimberle Crenshaw, « Mapping the Margins: Intersectionality, Identity Politics, and Violence against Women of Color », Stanford Law Review, 1 juillet 1991, vol. 43, no 6, p. 1241-1299 ; Patricia Hill Collins et Sirma Bilge, Intersectionality, Cambridge, Polity Press, 2016 ; Martha E. Gimenez, « Intersectionality: Marxist Critical Observations », Science and Society : A journal of Marxist thought and analysis, abril de 2018, vol. 82, no 2, p. 261-269.

14 Philippe COLIN et Lissell QUIROZ, Pensées décoloniales: une introduction aux théories critiques d’Amérique latine, Paris, Zones, 2023.

15 Brigitte STUDER et Dafydd ROBERTS, The transnational world of the cominternians, London, Palgrave Macmillan, 2015.

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